sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Kushanku - A Origem do Karate


por Marcos Piolla.



Os registros mais antigos relacionados às formas de combate sem armas em Okinawa nos vêm através de um estudioso confucionista chamado Junsoku [ 程 順 則 1663-1734]. Ele era um advogado tão ferrenho de sua arte que ficou conhecido como Tei Junsoku.
Comumente chamado de “Pai Educador”, era um importante oficial do governo durante o período do antigo Reino Ryūkyū (Okinawa), responsável por um sistema de bolsas de estudo para China e Japão.



Tei Junsoku
Técnicas brutais de Te-Gumi



 O termo Te, Ti, Di ou Tei ( TE = = Mãos ) serve para retratar os antigos sistemas de auto-defesa de Okinawa. Também chamados de Okinawa-Te (Uchina-Di = 沖 縄 手 = Punhos de Okinawa), eram um misto de Atemi (impacto penetrante), Te-gumi (手 組) o sumo de Okinawa e Torite ( Chin Na/Qinna/ 擒拿 em Mandarin ) a forma de segurar ou prender as mãos do seu oponente, muito usado por oficiais de polícia. Mais ainda não era Karate como o conhecemos.

Praticantes de Te-Gumi em Okinawa


O único sistema que usamos desde essa época é um kata focado em quedas e arremessos chamado Wanshu, que conhecemos como Empi, é o kata mais antigo no repertório Shotokan, com seus primeiros registros datando de 1683 e, provavelmente, passado adiante pelo próprio Junsoku. Ainda assim, a forma mais representativa do nosso Karate e, em minha opinião, um divisor de águas foi Kushanku.


Funakoshi Sensei praticando Wanshu / Empi
Ku San Kun ou Kosokun, Kusankun e até Kusanku, é conhecido por nós, karate-ka, como Kushanku. Chegou em Okinawa em 1756 num navio de tributação okinawense vindo da China. Era um oficial do governo chinês, mas veio à Okinawa não oficialmente e à negócios. Durante uma viagem, teve que usar sua habilidade para sobrepujar um agressor, que fez sem muita dificuldade, apesar de maior e mais forte, registrado no Oshima Hiki (incidente de Oshima). O registro conta que, segurando na lapela do agressor, o desequilibrou usando as pernas como patas de caranguejo segurando as do oponente. Um golpe que, hoje, conhecemos como Kani Basami, atualmente banido das competições de JU-Do.

Durante o breve período que ficou em Okinawa, conheceu o jovem Teruya Kanga que depois receberia títulos e terras do rei de Okinawa e se chamaria Sakugawa Kanga ( 佐久川 寛賀 ) . O jovem Sakugawa, que já treinava com Takahara Peichin (título de nobreza) ha seis anos, era um rapaz de família nobre, estudioso e muito talentoso nas práticas combativas. Impressionado com a disposição do jovem, aceitou-o como discípulo a pedido de Takahara e, ao voltar para Beijing, levou-o com ele, onde ficou treinando durante cerca de seis anos mais.

 Toudi Sakugawa

De volta à Okinawa, formado em clássicos chineses e no idioma, principalmente o dialeto falado na capital, foi transformado em Escriba Real e ganhou o título de Satunushi. Além disso, suas habilidades como lutador já eram famosas e, com a adição de técnicas oriundas do sul da china, mais especificamente, o Chuan Fa (Quan Fa = 拳法 = Ken Po = Lei dos Punhos) da Garça Branca, seu Mestre Takahara, no leito de morte, pediu que adotasse o nome Toudi Sakugawa ( Tōde Sakugawa = Karate Sakugawa = 唐手 = Mãos Chinesas ou Boxe Chinês ).

Antiga forma de Manji Kamae

 Após a morte de seus Mestres e protegendo a corte do rei, Sakugawa treinou inúmeros guerreiros e, finalmente, formulou o kata que combinava as técnicas do Ti de Okinawa com o Kenpo de seu Mestre e, em sua homenagem, nomeou-o Kushanku. Chatan Yara, outro aluno de Kushanku que, após sua morte, treinou com Sakugawa também formulou sua própria versão do sistema nomeando-o Chatan Yara Kushanku.


A Aplicação
A forma no kata

Formulado para endereçar os atos mais comuns de violência física que ocorriam, em maioria, à noite, tais quais puxões de cabelo e prender os pulsos, Kushanku é um kata para combate noturno. É uma pena que dentre a maioria dos estilos oriundos do Templo Shaolin ( Shorinji Kenpo = 少林寺拳法 ), o Shotokan é o único cujos praticantes não sabem disso.

Funakoshi Gigo praticando Kanku-Dai

Para combater à noite, sem enxergar seu agressor, deve-se ter sempre dominado um dos braços do atacante e mover-se de forma a ficar perto desse braço dominado e longe do outro, que está livre para te bater. Quedas e torções, chutes baixos (originalmente), esquivas e sutemi (sacrifício) ao se lançar ao solo para evitar ser atingido, englobam esse sistema que considero o primeiro que podemos chamar de Karate.

Bailarinas apresentando Bu no Mai, dança com movimentos de Kushanku

Profundamente arraigado na cultura okinawense, Kushanku foi “escondido” em danças folclóricas (Bu no Mai) apresentadas a enviados chineses e japoneses que, entretidos com a plasticidade das apresentações, nunca desconfiaram estar assistindo a um sistema que engendraria uma revolução no desenvolvimento das formas de combate sem armas.

Sakugawa Kanga

Aos 78 anos, Sakugawa conheceu um menino de 14 anos que se tornaria o maior gênio do Karate, responsável pela manutenção da lei e da ordem em Okinawa e propagador da aplicação de aceleração linear nas artes de combate okinawenses. Matsumura Sokon.

Sakugawa morreu em 1815 tendo ensinado Matsumura por apenas 4 anos. Apesar disso, os passos mais importantes que aprendemos num Dojo são os primeiros, então, mesmo sem seu Sensei, Matsumura continuou suas pesquisas sozinho. Além de arqueiro, cavaleiro e karate-ka, formou-se no estilo Jigenryu de esgrima. Esse estilo era o mesmo ensinado ao Clã Satsuma que controlava Okinawa. No estilo dos inimigos, ele era Mestre.

Samurai do Clâ Satsuma que controlava Okinawa

Aos 23 anos, o jovem Matsumura já era imbatível. Desafiou todos os grandes lutadores de seu tempo e venceu a todos, humilhando vários deles. Ninguém queria enfrentá-lo graças à brutalidade de suas técnicas e à gravidade dos ferimentos que causava. Travou duelos de morte e NUNCA FOI DERROTADO. Por isso foi nomeado Guarda-Costas Real e Secretário de Segurança do reino. Recebeu o título de Bushi (Guerreiro) Matsumura.

Matsumura e Itosu protegendo o Regente de Okinawa, Sho Taimu

Sem abandonar o kata Kushanku, adaptou suas aplicações para as necessidades específicas do trabalho de segurança do rei e passou adiante o novo sistema. O Matsumura no Kushanku ainda é ensinado em inúmeros estilos nos dias de hoje. A versão que praticamos hoje no Shotokan nos foi passada através de Itosu Anko, aluno de Matsumura e secretário do rei, e Azato Anko, seu melhor amigo, também aluno de Matsumura, ministro do exterior e Mestre de Funakoshi Sensei.



 
Os kata repassados ou criados por Matsumura e seus alunos foram desenvolvidos para lidar com problemas específicos de violência física inerentes à proteção do Castelo de Shuri mas, invariavelmente, têm sua raiz comum nos princípios conceituados em Kushanku. Itosu desenvolveu a versão Sho (curta) do kata que é praticada em vários estilos em vigor com nomes tais quais Kushanku-Sho, Kosokun-Sho, Kusanku-Sho, etc...

Mais adiante, os princípios em Kushanku foram adaptados para situações variadas de violência física como samurai, soldados modernos, bandidos armados, baionetas, etc... que influenciados por Matsumura, deram origem aos kata Pinan, que nós chamamos de Heian. Matsumura criou o Pinan Shodan, que é o nosso Heian Nidan e Itosu criou os outros baseado em conceitos passados pelo Mestre.


Funakoshi Sensei e a série Heian

Funakoshi Sensei
Ao introduzir o Karate no território Japonês, Funakoshi escrevia os nomes dos kata em katakana, a forma de escrever nomes estrangeiros foneticamente e, portanto, sem o significado dos kanji. Para os japoneses Kushanku era Kuwanku e, posteriormente passou a chamar-se Kanku (contemplando o vazio), remetendo a um conceito Zen que nada tinha a ver com o sistema de Okinawa. Ainda assim, Kanku-Dai é Karate e Karate é Kanku-Dai.

OSS!

2 comentários:

  1. Excelente artigo. Obrigado por dividir essas informações.
    Quais as fontes, por favor?

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  2. Parabéns, muito bom artigo contendo valiosos detalhes que muito interessam a quem se dedica ao estudo e prática do Karatê-Dô.
    Existe apenas algumas diferenças, entre elas a que Kushanku foi um monge shaolin e a outra que foi um oficial do governo chines. OSS!!!

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Dream Team

Dream Team
Equipe do Rio de Janeiro. Da esquerda para a direita: Inoki, Fernando Athayde, Ronaldo Carlos, Hugo Arrigone, Paulão, Zeca Kriptanilha, Luciano e Flavio Costa. Falta nessa foto apenas o grande Victor Hugo Blanco Bittencourt..