quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Calcanhar ou Terço Anterior do Pé?

por Richard Amos


Traduzi mais um artigo de autoria de Richard Amos Sensei. Bastante interessante e explica muito do que trabalhamos no seu seminário.

OSS!

Calcanhar ou Terço Anterior do Pé?
Por Richard Amos      traduzido por Marcos Piolla

Usar o pé como pivô de rotação pode parecer simples até que desmembremos o processo para considerar quando e porquê devemos usar o calcanhar, o terço anterior do pé, ou até, como alguns instrutores importantes sugerem, algo entre um e outro.


 
Como o peso corporal é idealmente dissipado ao longo de todo o pé, essa última opção pode parecer, a princípio, adequada. Entretanto, quando simplesmente avançando ou recuando, o peso naturalmente varia de uma parte do pé para outra. Um passeio na areia revela exatamente isso. Uma pegada perfeita (assumindo que VC não tem pé-chato) na areia mostrará uma impressão mais profunda tanto no calcanhar quanto na parte interna do terço anterior, com uma pressão menor na lateral externa quando permanecemos parados de pé.


Mas no momento em que movemos um pouco para frente, o terço anterior afunda na areia e, quando vamos para trás, o calcanhar. Essa imagem pode ser referência quando quebramos os movimentos de kihon e kata em extremos.

Para o momento, nos focaremos nos movimentos simples apropriados para kihon e kata que, mesmo assim, deixarão muito espaço para dúvidas, tanto na perspectiva da instrução quanto auto-correção.
As ramificações do uso do terço anterior, que agora chamaremos de "bola do pé" (ou simplesmente "bola"), ou do calcanhar quando andamos ou giramos, para mim, vão muito além do que reconhecer que o peso migra para a bola quando avançamos e para o calcanhar quando recuamos.
 
Já houve muita discução quanto a NÃO LEVANTAR o calcanhar de forma alguma quando nos movemos durante o kihon, mas depois, alguns ressaltaram que muita ênfase em manter o calcanhar no solo pode diminuir a liberdade de movimentos em longo prazo.

Permitam-me, se possível, voltar à esse assunto posteriormente e, por hora, somente reiterar que essa imobilidade aparente em kihon e kata tem o propósito de ensinar ao corpo como se mover de forma, inicialmente não intuitiva, porém necessária para adquirir maestria com o passar do tempo.
Nishiyama Sensei desvia do Yoko Geri de Okazaki Sensei
O que o princípio de andar e girar nos ensina, no que concerne a calcanhar e bola é que, enquanto deslocamos o peso corporal, devemos ter consciência da força compressiva sempre presente e da qual a explosão que sucederá vai precisar. Qualquer compressão, por definição, acontece entre pelo menos duas coisas: como estamos andando ou girando, são as pernas. No plural. Elas se espremem em direção da outra. Uma é a âncora ou pivô, enquanto a outra é a que desloca, mas AS DUAS trabalham durante o deslocamento.

Em uma passada simples adiante, como em Oi-zuki, é considerado imperdoável durante prática de kihon, girar os dedos para fora (e portanto pivotar sobre o calcanhar dianteiro) durante o início do movimento. Isso é porque, dessa forma, não teremos a compressão instantânea da perna traseira em direção à dianteira. Além do mais, se apontarmos o pé para fora, não estaremos nos movendo para a frente, que é o propósito do movimento em si e, assim, invalidamos a possibilidade de dominar a mecânica da passada.

Em recuo, o calcanhar não deve levantar (sempre levanta inicialmente pela dificuldade de sincronizar a tranferência de peso com a compressão da perna traseira, tendo assim a sensação de que o calcanhar está ancorado e, consequentemente, ser capaz do efeito da puxada) pelas mesmas razões. Se levantarmos o calcanhar ao recuar, nossa perna traseira está, na verdade, indo para a frente primeiro. Ilógico.
Sensei Flavio Costa aplicando Mawashi Geri sob observação de Inoki Sensei
Esse argumento parece obviamente aplicável em jiu-kumite pelas inúmeras circunstâncias mitigantes mas, quando alcançamos um nível técnico suficiente para o jiu-kumite apropriado, já devemos ter, mediante prática diligente, desenvolvido a ênfase física (e muscular) descrita nesse artigo.

Além de tudo isso, existem, claro, excessões para toda a regra e, a miríade de variações que nos é apresentada, somente no nosso treino regular, seria impossível de endereçar nesse artigo. Discutir essas excessões é, entretanto, muito interessante apesar de abrir uma verdadeira Caixa de Pandora de exemplos que podem somente ser satisfeitos através de demonstrações físicas.
Yahara Sensei - Mestre do Sutemi Waza
Então, em vez de tentar dissecá-las todas, eu usarei somente uma. O Ushiro-geri, das minhas técnicas preferidas. Eis um caso onde, apesar de estarmos girando, não mudamos de direção. O compromisso deve ser em direcionar o peso diretamente para a frente, rumo ao alvo, para gerar o máximo de potência. Controle equilibrado é primordial e, girar apoiados no calcanhar (apesar de ser uma rotação para trás) é um "tiro no pé".
Precisamos de potência aí para ir massivamente para o alvo e o raio de uma girada precisa para cobrir a distância é suficiente para justificar o uso da bola. Porém, e também, como estamos chutando com o que pode-se chamar de sutemi-waza (técnica de sacrifício), o corpo deve dobrar-se consideravelmente (relativamente falando) para estender a perna.


Fazendo isso, deixamos o quadril em uma posição não muito similar à uma girada normal, quando devemos manter nossa postura e aproveitar nossas opções. Isso, é claro, abre outras correntes de pensamento às quais somente um livro ou vídeo podem chegar perto de fazer justiça.
Tanaka Sensei - Ushiro Geri
De volta, então, ao assunto ao qual aspiro somente oferecer mera orientação à idéia básica, que é avançar e recuar em simples kihon e girar em Heian Shodan, exelentes modelos para muitos exemplos.
Bassai Dai tradicional executado por Mabuni Kenwa Sensei (Shito-Ryu)
Geralmente podemos dizer que quase não há recuos em kata (o último shuto da sequência de quatro no Bassai Dai é um dos poucos) o que é interessante, mas há várias giradas para trás. A conclusão que podemos tirar disso é que se conseguirmos adquirir força suficiente nos músculos das pernas para um giro, então será, da mesma forma, fácil andar em linha reta tanto avançando quanto recuando. O meio (treino de kata) justifica o fim (fortalecer áreas menos óbvias para atingir maestria).
Kano Gigoro Sensei - Shi Zen Tai
Se usarmos Heian Shodan, da maneira correta, veremos quão imensamente benéfico pode ser para nosso kihon e, posteriormente, ao nosso kumite. Todas as girada são sobre o calcanhar, assim como são, nesse kata, todas recuos. Até o primeiro movimento, em shizen-tai deveria ser considerado um recuo, girando no calcanhar direito. O teceiro movimento, claro, é um grande giro para trás.

O que dificulta esses movimentos de girada no calcanhar é uma tríade:

i) falta de comprometimento em transferir o peso;

ii) falta de conexão entre a bola e o centro do corpo, ou pelo menos, a parte superior das coxas e, muito importante;

iii) falta de esforço consciente em envolver a perna / pé de apoio na geração do movimento.
 
Quem, porventura disse, que é melhor colocar o pé primeiro no lugar e, só depois girar, devia estar falando de uma possível interpretação de uma aplicação específica. Esse exemplo pode ser plausível se exemplificando o tai-otoshi depois do primeiro kiai, mas mesmo aqui, ippon seoi-nage é mais apropriado e, nesse caso, os pés chegarão mais perto, de qualquer forma, e não faria sentido.
 
Falar de "preparar-se" ao esticar a perna por detrás de si mesmo e girar, chicoteando o corpo para criar uma força tremenda em direção ao bloqueio é uma declaração impensada e pode ser facilmente rechaçada. Pode ser muito forte no final, mas... e o início?
 
Certamente a essência de qualquer técnica deveria ser a prontidão e a habilidade de se adaptar e ser aplicada espontaneamente.



O giro de chicote deve ser feito PRIMEIRO: comprimindo o corpo em um pacote compacto com força centrípeta. Se feito corretamente (digamos com o começo do gedan-barai depois do primeiro kiai) a bola do pé direito começa a se comprimir no sentido anti-horário (pivotando no calcanhar, claro) assim que o movimento inicia. Se pivotarmos aqui, incorretamente, na bola, a perna em movimento estaria essencialmente caçando a perna de apoio, que é o contrário da prontidão compacta que estamos buscando.
Gigo Funakoshi demonstrando Gedan Barai
Após essa compressão, o relaxamento resulta em um gedan-barai explosivo, um torso em expansão, base e bloqueio em uníssono rumo ao nosso oponente imaginário. Também, porque preparamos nosso gedan-barai infinitamente melhor nós ensinamos nosso corpo algo muito importante, os movimentos e ênfase necessários para sermos capazes de ajustar nosso timing e distância com espontaneidade. As duas essências do kumite.
Por uma fração de segundo, Enoeda (esq) não consegue bloquear o Mae Geri de Shirai
Essa é uma associação crucial. Kihon e kata executados propriamente são, sem sombra de dúvida, o caminho de um melhor kumite.
Yahara Mikio Sensei demonstrando suas habilidades atléticas ímpares em combate.
Pode não ser aparente no início, especialmente quando lutadores eficientes são, geralmente, jovens e atléticos (consequentemente se safando melhor) ou têm um bom senso de combate, adquirido ou inato. Tudo isso é muito bom, mas será que eles não gostariam de ficar ainda melhores? Atingir seu potencial? E aqueles que não têm essas características?
Kanazawa Oi-Zuki
Uma das razões pelas quais Oi-zuki, nosso mais potente soco, raramente é usado com eficácia em jiu-kumite é que sua tão importante "instantaniosidade" não foi desenvolvido propriamente, um resultado direto de não enfatizar os papéis da bola e calcanhar e a sensação de conectividade. Se abrir no início do Oi-zuki pode dar a ilusão de técnica de grande poder, mas raramente de alguma serventia, se tem alguém esperando pra te interceptar.
Isaka Sensei
Isaka Sensei baseou grande parte de seu treinamento em Oi-zuki e jura que esse golpe é uma verdadeira metáfora para o Shotokan em si. Mesmo aos 50 anos, ele estava marcando ippon com essa técnica em oponentes com metade de sua idade.
Yahara Sensei exolicando compressão
 Além disso, compressão levando a uma explosão significa a liberação de potência (já adquirida) e não a aplicação de mais esforço ao fim da técnica. O final da técnica é onde queremos finesse e compostura. Desses nós conseguimos atingir timing perfeito, precisão e controle.
Yahara Sensei exolicando compressão
Os conceitos de Ki e a importância de seishi sobre teishi e tensão rígida estão fora do escopo desse artigo, mas devem ser estudados. Adeptos do ki usam a frase "ki o dasu", que significa literalmente "deixar / colocar / liberar o ki para fora" e é geralmente traduzida como extender o ki, impossível a não ser que se tenha compostura e prontidão.
O poder explosivo de Shirai Sensei
Na medida em que libertamos nosso Karate, possivelmente nos direcionaremos mais para a utilização da bola do pé, sacrificando um pouco da dureza à medida que viramos para controlar. Isso é normal, visto que a bola do pé é onde estão os artelhos e onde ganhamos estabilidade. Ainda assim, devemos passar pelo processo de aprendizado primeiro.
 
Sempre tenhamos em mente que, uma vez que o corpo tiver assimilado a essência de um princípio (potencialmente precisamos de milhares de horas) e tivermos adquirido "memória muscular", não devemos permanecer acorrentados à idéia fiel "ao livro" acima de tudo, ou o progresso refreará e o Karate irá estagnar.



É muito difícil, entretanto, reconhecer o momento de desacorrentar-se e vi muitos Karate-ka experientes desqualificar seu progresso futuro aparentando etar atados à sua forma, obcecados em evitar qualquer digreção do "manual" nem que seja milimétrica.
 
Se teinamos diligentemente algumas décadas, certamente nossos Heian não irão deteriorar em "bagunça" se adotarmos uma qualidade mais natural, e se o fizerem, devemos naturalmente praticar alguns milhares de horas a mais. O ponto é: a hora da liberdade irá chegar e não devemos perdê-la antes que seja tarde demais e fiquemos muito velhos e teimosos (e medrosos ?) para mudar.

É nesse nível elevado que podemos encontrar um ideal de, talvez, pivotar em algum lugar entre a bola e o calcanhar, mas acho esse, um conceito realmente bastante avançado. E, desta forma, está constante e perpetuamente, fora de alcance.

Nishiyama Sensei - Um modelo de excelência a ser seguido.

Todos precisamos de um objetivo ou meta.

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Equipe do Rio de Janeiro. Da esquerda para a direita: Inoki, Fernando Athayde, Ronaldo Carlos, Hugo Arrigone, Paulão, Zeca Kriptanilha, Luciano e Flavio Costa. Falta nessa foto apenas o grande Victor Hugo Blanco Bittencourt..